Pular para o conteúdo

Por que a série de The Last of Us tem opiniões distintas entre mídia e fãs?

A segunda temporada de The Last of Us tem recebido elogios contundentes da crítica especializada, mas enfrenta uma reação muito mais morna (e até hostil) de boa parte do público. Enquanto veículos de imprensa destacam a inovação combinada às referências ao material original, a profundidade dramática e a qualidade de produção, muitos espectadores criticam a falta de imersão e os desvios em relação ao jogo.

Nos agregadores, a disparidade é nítida: a temporada 2 ostenta cerca de 95 % de aprovação entre os críticos, mas apenas 43 % da audiência no Rotten Tomatoes. No Metacritic, a diferença é de 81/100 para os “especialistas” e só 3,7/10 para os usuários. E aqui é claro: há, sim, review bombs, normalmente bastante motivados por preconceitos, mas também tem muita gente simplesmente considerando a adaptação abaixo do que esperavam.

Mas o que causa esse distanciamento entre imprensa e público, que está longe de ser exclusivo de The Last of Us?

Imprensa x Público: relação desgastada

Cada vez mais vemos críticas de espectadores e jogadores ao papel da mídia na indústria do entretenimento, e de como algumas opiniões podem ser “descoladas da realidade”. Em linhas gerais, pesquisadores apontam que essa disparidade nasce da polarização política, do ceticismo saudável que muitos têm hoje em dia e da percepção de vieses ou “gatekeeping” por parte da imprensa estabelecida.

Especialistas do Reuters Institute enfatizam que a confiança em notícias funciona como um “fato social” – ou seja, depende não apenas da veracidade dos fatos, mas de como o público enxerga o papel da imprensa na sociedade. Em conferências de ética jornalística nos Estados Unidos, por exemplo, estudiosos apontam que debates sobre “bothsidesism” revelam um abismo.

De acordo com o estudo, 55% dos jornalistas argumentam que nem todos os lados merecem igual cobertura, contra apenas 22% do público, o que alimenta a impressão de que a imprensa decide quais vozes transmitir. Uma pesquisa da AP-NORC identificou que seis em cada dez americanos culpam os meios de comunicação pelo aumento da desinformação, exigindo que eles compartilhem parte da responsabilidade no combate às “fake news”.

Como solucionar isso? Bem, analistas como Knox Willey, do Bush Center, defendem que a saída para esse abismo passa por transparência radical – explicitar metodologias, fontes de financiamento e processos de verificação, resgatando uma abordagem “fato a fato” em vez de narrativas sensacionalistas.

Além disso, há um consenso de que engajar o público em formatos interativos e mostrar os bastidores da apuração pode reduzir a sensação de alienação e “monopólio de discurso” da grande imprensa.

Tá, e The Last of Us?

Agora, voltemos a The Last of Us.

Em síntese, a grande disparidade advém da junção de atitudes retrógradas, sim, de uma parcela do público, com expectativas díspares sobre a fidelidade ao jogo e a narrativa, além de dinâmicas de redes sociais que amplificam aquelas vozes mais extremas – tanto para elogiar quanto para criticar.

Esse abismo de opiniões escancara como a recepção de adaptações de games continua carregada de desafios sociais e culturais. Muito disso se dá pelo fato de jornalistas de games e público de games terem visões bem distintas sobre diversos pontos, e outra parte também tem a ver com o tipo de análise.

Em The Last of Us, fica bem claro que o grande problema para a maioria das pessoas que reclamam está nas mudanças em relação ao material original – ou seja, os jogos. Mesmo que Neil Druckmann e Craig Mazin já tenham falado milhares de vezes que, feliz ou infelizmente, é impossível repetir tintim por tintim tudo o que acontece nos videogames em uma série de TV.

Obviamente, exigir que a série de The Last of Us seja uma cópia fiel dos jogos ignora as especificidades narrativas do formato para o qual ela foi produzida e diminui um trabalho excelente (e corajoso) de justamente pegar um material-fonte tão rico a amado e adaptá-lo.

Mas, ao mesmo tempo, será que ouvir os fãs não deveria ser um pouquinho mais importante? Até quando os responsáveis pela série irão culpar essa disparidade apenas em questões alheias ao seriado em si – como o tão falado (real, é claro) preconceito de parte da audiência com alguns temas?

Reflexões são importantes. E se, por um lado, o público tem que entender algumas coisas, imprensa e showrunners também. Todos precisam assumir suas parcelas “de culpa” nisso e trabalhar em conjunto para que a Season 3, que pode ou não ser a última de The Last of Us, tenha um impacto mais positivo do que a atual.

Basta olhar para a Season 1 ou para o próprio Capítulo 2 da Season 2 para entender que, sim, isso é possível.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *